segunda-feira, 20 de julho de 2009

O jogo perdido




O JOGO PERDIDO
Por Bruno Matsushita

Deitada em uma cama que me é estranha e incapaz de me apoiar em minhas próprias pernas, lembro com remorso do que aconteceu naquele maldito fim de tarde.

O sol tingia de vermelho a imensidão do mar e eu estava sentada na praia, sentindo os últimos vestígios do calor sobre a areia e as ondas quase me alcançando os pés. As gaivotas voando e pessoas caminhando em pares sobre a areia fina e macia enquanto eu tentava encontrar o futuro prometido para uma mulher que amou mas não vive, apenas passou pela vida.

Lembrei naquele momento com certa amargura quando pude olhar nos olhos dele pela última vez, inventando desculpas indecentes e motivos banais para mantê-lo perto de mim, sem querer deixá-lo partir e poder enfim respirar. Com a necessidade de quem passou muito tempo debaixo da água sem poder respirar abracei-o. Pude sentir pela última vez seu peito forte e quente em meu coração já vazio e dilacerado pela incredulidade humana no amor.

Por que teve que me deixar? Por que teve que partir? Fiz aquilo por amor. E o amor é o único sentimento que justifica nossas ações, e confesso que não há ninguém neste mundo que o amava mais que eu. Era capaz de dar minha vida por ele. Se mover os céus fosse pouco, desceria até o inferno para provar meu eterno amor; poderia ter o céu se descobrisse que alguma estrela pertencia a ele. Mas ele preferiu me iludir, dizendo que me amava, me fazendo tirar os pés do chão para dar um voo raso. Tive que vê-lo partir, senti como se segurasse uma pedra de gelo em minhas mãos... Não poderia fazer nada, a não ser vê-lo derreter e escapar por entre os dedos...

Chorei quando o amor doeu em meu peito, uma dor tão insuportável que me fez acreditar que qualquer segundo seria tempo demais para suportar essa vida insossa sem ele. Quando percebi que seus olhos já não me fitavam mais, meu mundo desabou e eu chamava o seu nome... Chamava o seu nome, e apenas o silêncio insistia em gritar que o agora não existia mais e somente o passado poderia falar de nós. Não! Não quero que o passado fale de nós! Não quero que as paredes daquele quarto contem nossas histórias!

Lutei por ele. Meu coração sangrava apenas na cogitação dele ter outra. Não queria acreditar que ele amava outra pessoa, e o pior: eu conhecia essa pessoa. Ainda tentando me iludir, marquei um encontro com ela e fiz o que deveria ser feito. Ouvi certa vez um ditado samurai que dizia que sempre que tivéssemos oportunidade, deveríamos cortar a cabeça do nosso inimigo. Decepei-a sem piedade, com a frieza de um coração amargurado. Agora somos apenas dois, novamente.

Senti naquela hora que era a hora de partir. Ericei os pelos quando o vento gélido e mórbido do inverno veio acariciar minha pele alva, ao deslizar pela praia, agitando algumas algas que dormiam sobre a areia já totalmente fria. Agora não me restam outras coisas que não a lembrança de uma vida mal aproveitada, baseada no medo do que as pessoas pensariam e, por esse pensamento podre que nos engana e depois corrompe, não posso mais suportar uma separação e por isso acredito que agora é a hora de dormir pela última vez.

Lembro-me dos momentos em que entrelaçávamos nossos corpos debaixo das cobertas tentando nos unir na vã esperança de torná-los apenas um. Percebi numa noite, enquanto ele dormia e eu fitava sua face sorridente, que poderia ficar acordada a noite inteira apenas o observando, vendo seu semblante angelical e escutando sua respiração suave... Tentei não dormir para não perder nenhum momento com ele, mas coloquei minha cabeça em seu peito, pude ouvir seu coração pulsando na doce melodia da vida e agradeci a Deus por fazê-lo meu amuleto protetor e me ter colocado em sua vida de modo tão especial.

Sabia que poderia viver sem ele, mas a vida já não teria as mesmas cores. No fundo, eu sabia que ele poderia partir, mas não queria acreditar nisso, pois se ele partisse levaria consigo todos os meus sonhos. Ainda escutando seu coração e imaginando o que ele estava sonhando, pude me entregar ao mais doce dos prazeres: a ilusão. Pude sentir o calor da vida percorrendo cada parte de meu corpo e assim gostaria de viver para todo o sempre, nessa deliciosa entrega a um mundo de ilusões.

Muitas noites sonhei com ele. Por noites frias e caminhos tão escuros que me fizeram acreditar que o sol jamais voltaria a brilhar, imaginei-o sussurrando para que ficassemos juntos para sempre. Mas ele se foi. Preferiu partir e deixar meu coração sangrando, meu corpo com frio e meu espírito com fome. Quando fecho meus olhos, posso senti-lo, posso vê-lo e de uma maneira inexplicável sinto que ele ainda vive em mim. A distância não será mais problema para nós, nos encontraremos na eternidade.

Já provei do sabor ácido da fruta da ilusão e decidi que não irei mais sofrer.

Tenho consciência de que errei ao retirar tão drasticamente nosso problema, mas meu maior erro foi acreditar que se ele não fosse meu não seria de mais ninguém. As lembranças daquele dia na praia não saem de mim, elas vêm me perturbar como fantasmas que surgem dos lugares e nos momentos que menos esperamos. Mas já não posso mais suportar essa cela, essa comida nojenta e sebosa, essa cama dura...

Não quero que o passado fale de nós, não quero que as paredes daquele quarto contem nossas histórias. Meu amor, agora é a hora de partir, mas ainda sobreviveremos nessas palavras...

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